Resumo
Na modernidade, a arte se constituiu como um campo discursivo autônomo que interfere de maneira indireta na realidade social, da qual se nutre sem nunca se confundir com ela. Por isso a expressão literária normalmente é legitimada como o outro do panfleto, pois quem fala na obra nunca é o autor, assim como o universo da ficção jamais reproduz a realidade social. Contudo, certa prosa contemporânea limítrofe que desafia a noção de autonomia, juntamente com o debate teórico acerca de uma propalada "pós-autonomia" (Ludmer, 2007) ou de um "pacto ambíguo" (Alberca, 2007), têm colocado em questão esse lugar da arte como campo de experimentação à parte da vida dita real, de maneira a se implicar mais diretamente autor e narrador, realidade e ficção, o que parece colocar em outros termos a noção de livre criação e responsabilidade civil sobre a obra. Para a discussão, tomaremos por referência o romance Divórcio (2013) e a narrativa Delegado Tobias (2014), ambos de Ricardo Lísias. Nosso propósito é especular se nesse investimento na ambiguidade há uma nova estratégia discursiva capaz de substituir o paradigma moderno da autonomia ou apenas reiterá-lo.
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