Resumo
No presente artigo refletimos acerca de alguns aspetos da obra-vida de Herbert Eustáquio de Carvalho (1946-1992), mais conhecido pelo pseudónimo Herbert Daniel, autor brasileiro, ainda pouco reconhecido, que está recentemente a despertar o interesse do mundo académico brasileiro e internacional. Fugindo da ditadura militar brasileira, em 1975 Daniel residiu em Portugal trabalhando na revista feminina lisboeta Modas e Bordados (suplemento de O Século), sob a direção da jornalista feminista Maria Antónia Palla. A partir desta colaboração, Daniel contribuiu à introdução de instâncias sociais progressistas atualizando, ao longo do Processo Revolucionário em Curso (PREC), a linha editorial da revista. No mesmo período, o namorado Cláudio Mesquita, que o acompanhou na fuga da ditadura militar brasileira, trabalhou como responsável pela realização de panfletos e campanhas pedagógicas junto do Movimento das Forças Armadas (MFA). Em vista dos seus rudimentos de medicina, Daniel assinou uma coluna chamada “Haja Saúde” abordando questões como o racismo, o direito a condições de trabalho dignas, ao descanso e ao lazer, assistindo à implementação do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Além disso, Daniel refletiu sobre a importância do planejamento familiar e da liberdade de escolha das mulheres, reivindicando o direito ao aborto. Por outro lado, Daniel observou as conturbadas vivências de homossexuais e de refugiados brasileiros em Portugal, numa altura em que o autor reconheceu, pela primeira vez, conscientemente, a sua condição de homossexual e exilado. Portanto, analisando as crónicas publicadas em 1975 ao lado de excertos das suas obras posteriores, observamos o diálogo entre a vida, o pensamento do autor e o contexto histórico-cultural da Revolução dos Cravos, ressaltando a relevância das suas reivindicações que se apresentam, ainda hoje, vanguardistas.
Referências
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